terça-feira, 5 de novembro de 2013

Hedonismo



Fausto prazer fecundo, universal,
Desvela da vida: esse vil arcano.
No homem exculpe feições de animal
Ou dão às bestas a guisa de humano?

Faz casa no viver néscio, profano;
Em uns é a semente de todo o mal,
Um ignóbil, pecado primordial,
N’outros: raro bem, ditoso decano.

O prazer é fogo e também é vento,
Ressoa eternamente num momento
Etéreo – Tudo avulta e tudo acalma.

Faz-se um regalo em meio à aflição;
É um dom e uma hedionda maldição;
Pode a vida dar, ou ceifar a alma.


Pecado



Passa soberba, banhada em pecado,
Olhar desdenhoso, riso maroto,
Na mente um mundo totalmente ignoto
E um demônio de estimação do lado.

Queima o olho rútilo, embrasado.
Em frangalhos o meu querer – já roto –
Sucumbe ante esse desejar escroto.
Quedo prostrado ao chão... petrificado.

Passa, lasciva, uma menina apenas,
Seu perfume chove por toda parte
E esmaece todo o mundo ao redor,

Pousa, sem querer, mil poses obscenas.
Sorrir com o olho é a sua principal arte.
Artista, inflama em meu peito um queimor.



A flecha do tempo



Se busco, em tudo, a mais bela canção,
É que me falta a etérea melodia
Que suavemente fez um belo dia,
Aos arroubos, sangrar-me o coração;

Busco a brisa em total desolação
Que uiva triste como quem assovia;
Prezo o choro do riacho em agonia
Pois não pode ir em outra direção.

Vejo a pedra atirada infantilmente,
Na emergência do seu alvo, sofrer...
Bradar que saiam todos da sua frente.

Olho atrás: nada mais posso fazer.
Do bom e mau que fiz inconsequente
Tenho que com as consequências viver.


sábado, 27 de julho de 2013

Gênese


Rasgamos dos corpos, almas... aos imos,
Pois cismamos toda a vida por vê-lo.
Loucos, sonhamos um dia compreendê-lo.
Quem é esse bicho que nunca vimos?

Bicho arteiro, um artista, graxo limo,
Ébrio pirilampeante; fugaz elo.
Mesmo preso neste constante duelo,
Transfigura de força em desarrimo.

Ser tão diverso, mas no cerne um só
Da mesma gênese do ser humano:
De repente surge e de repente mingua.

Indo e vindo do universo... do pó,
Sagrado ser, libertador, profano,
Eterno e fugaz. Esse é o bicho-língua.


terça-feira, 23 de abril de 2013

Insônia




Neblina fria em plena madrugada;
Ruas gris e os pés descalços no cimento;
Horas de paz e desfalecimento
E minha mente vaga tresloucada.

Ergo a voz e ouço simplesmente nada
Além do calmo sussurro do vento
Que me derrama na memória o alento
De um exuberante floco da geada.

Um frenesi me é parceiro inato,
O sangue pulsa forte neste hiato,
Recompõe-me o semblante tristonho...

Logo a brisa me traz leve ao ouvido
Um hálito quente, úmido, atrevido.
Enquanto todos dormem, eu te sonho.


quarta-feira, 27 de março de 2013

O que se é


Já não mais se é o que realmente somos.
É-se sim tudo que na vida temos.
Não se é mais o que, altruístas, demos. 
Hoje é-se somente a soma dos momos. 

Não se valoriza no mundo os pomos, 
Só a casca seca onde, secos, vivemos. 
Já não percebemos do barco os remos 
E donos do destino nos supomos. 

Tem-se tudo nesse mundo e é-se nada;
É-se pouco e pensa ser sempre mais;
Vive-se qual não haja nada além. 

Acha ser o prêmio desta jornada,
Não as virtudes que consigo traz,
Mas o pote d’ouro que ao fim se tem.


domingo, 24 de março de 2013

8 de março



Quem é este ser estranho q ora vejo
Deitada languidamente em meu leito?
Tão indefesa e imponente a seu jeito,
Com a rubra boca entreaberta – um gracejo

Este estranho ser que tanto desejo
Ter. No seu coração ser o eleito;
Sereia que tira-me o ar do peito;
Sua inebriante canção – um solfejo

Quem é esse ser estranho que consegue
Sem esforço – e que agora em si revele
A força letal de uma tempestade

Não existe neste mundo quem negue;
Ente que agrega sob a mesma pele
De uma brisa amena... a suavidade.