domingo, 11 de novembro de 2012

O cativeiro


Por séculos tenho estado cativo,
Prisioneiro de alcova sem corrente
Que me rasga a carne e entorpece a mente,
Mata-me aos poucos, mas me mantém vivo.

Miro meu algoz que mira-me lascivo
 Com seu olho esbugalhado, doente;
No canto da boca um riso indolente
Me gela a espinha e vejo que ainda vivo.

Tal qual serpente, enrosca e me sufoca;
Seus deuses pagãos, aos gritos, evoca;
Desfaleço e pairo em brumas eternas...

Acordo e vejo a figura grotesca
Debater-se extasiada, animalesca
E eu, indefeso, no nó das suas pernas.


segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Fênix



Quero estar completamente perdido
E antes ter sido amaldiçoado,
Ter sucumbido ao primordial pecado
E ser um descuidado anjo caído.

Prefiro ser este ser combalido,
Mas com o sorriso de bobo estampado.
Quero pra sempre estar apaixonado...
Mente nas nuvens, semblante sofrido.

Quero, enlouquecido, uivar para a lua,
Gritando aos prantos teu nome na rua
E ouvir o eco na noite vazia.

Quero esquecer a inevitável dor;
Prefiro viver de amor em amor;
Morrer e renascer a cada dia.



sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Desterrado de mim



Eu, entidade de uma outra dimensão,
Preso num corpo que não sinto ser meu.
Ser que do seu próprio mundo se perdeu,
Que sobrevive a esmo, sem direção.

Antagônico vil, o bastardo judeu;
Idêntico a todos, uma aberração;
Da bela canção, o desgastado refrão,
Cujo sentido uno desapareceu.

Um palhaço sorrindo à toa pela vida,
A dor de uma lembrança boa esquecida.
Um cantar mudo, um simples perecer.

Oh, meu deus! Como posso viver assim
Naufragado, tão desterrado de mim,
Combalido e perdido em meu próprio ser?

quinta-feira, 21 de junho de 2012

Felicidade



Duas felicidades norteiam o mundo:
A que busco e a que meu corpo sente.
O corpo, um ser palpável e latente,
Sábio e em felicidade fecundo

Percebe, com o coração e co’a mente,
De onde o júbilo real é oriundo,
Com o outro - um conceito arraigado, fundo -
Convive num conflito permanente.

Saibam, não há felicidade plena;
É uma utopia que ao fim te apunhala;
Homeopática, aos poucos se revela;

O tempo repentinamente a drena.
Por que então, ao invés de idealizá-la,
Não pára, pensa e procura vivê-la?

quarta-feira, 20 de junho de 2012

Multiverso


Sou uno e muitos de uma só vez.
Porém, dos muitos, sou um singular verso,
E sou, da mesma forma, meu inverso
Neste multiverso de insensatez.

Sou um infindo aglomerado disperso
Em afirmações com demais porquês
E repleto de um convicto talvez;
Um, amplamente aceito, controverso.

Somos tantos e (mesmo inseparáveis)
Nunca juntos; no tempo, indissociáveis;
Forjado de galáxias e de pó;

Por poucos percebido e, raro, visto,
Neste exato tempo e espaço subsisto...
Um multiverso de mim mesmo... só.

O triste palhaço




Já não consigo rir há muitos anos.
Perdi, pois, as ferramentas do ofício.
Penso: já a perdia desde o início
E não percebia por olhos tão lhanos.

Este riso que escorre em rosto afano,
Que cai por terra, por dor e por vício,
É um mero reflexo deste estrupício,
Deste arremedo e do viver leviano.

Vê a força enorme p’rum simples riso?
Vê a cara de dor que no fim faço?
Pra esconder, cambalhoto de improviso,

Enfio a mim no meu próprio regaço,
Emerjo então com o rosto etéreo e liso
E assim segue a vida do triste palhaço.


sexta-feira, 15 de junho de 2012

Pensador


Múltiplo sou neste viver constante;
Multiverso de ignorância e saberes.
E, se ideias trazem grandes poderes,
Provocam também dores excruciantes.

As ideias - inerentes aos seres
Humanos - fazem os poucos pensantes
Acharem-se distintos dos restantes
E agigantam os seus vis carácteres.

Ufana-se apenas porque pensa,
Olha o próximo com indiferença,
Atira olhares de dúvida a esmo,

Aponta os erros por pura vaidade.
Contudo, o grande errado, na verdade,
Por ser minoria, reside em ti mesmo.


segunda-feira, 9 de abril de 2012

Conceitos prévios

Sou um vil bruto de preconceitos pleno,
O incontinente algoz do a mim alheio,
Abomino o sujo, o hediondo, o feio,
Escarneço do crasso, do epiceno.

Sou, em verdade, um amoral obsceno,
Contraventor de contradições cheio.
Me esgueiro e de um lado a outro permeio
Colhendo meu néctar e meu veneno.

Assim o sou: falho, fútil... humano...
Um andarilho inerte a vagar cego;
Me compreendo, aceito e vivo bem.

Podes apedrejar este tirano,
Mas todos estes vícios que carrego
Leva-os tu em teu cerne também.

quarta-feira, 14 de março de 2012

Poetizando


Digo coisas que em verdade não sinto.
Porém, neste instante, sinto-as minhas;
Seiva furtada das etéreas vinhas
Que oferto de coração, mas minto.

Conto branco e beges em tom retinto;
Rimo o Amor com Dores nas entrelinhas;
Doo minha alma de intenções mesquinhas;
Rio e torno um grande pesar sucinto.

Digo meus, grandiosos feitos de outrem;
Exulto com belezas que não vejo;
Descrevo bem-pensado improviso.

Rezo a vis demônios e grito amém;
Traio a mim mesmo com um pérfido beijo;
Atraio, iludo, minto... Poetizo. 










quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Defeitos da modernidade

Hoje vago, de defeitos repleto,
Pela terra disfarçando o aleijão;
Escondo a face desta aberração
Que se expõe em meu rosto tosco, abjeto.

Fiz um dia parte de um grupo seleto
De bons costumes, civilização.
Sou hoje escorraçado como um cão,
Açoitado e esmagado como inseto.

Educação é meu nome do meio,
Honestidade é o nome derradeiro,
Começo com desapego e verdade.

Mas o homem moderno em seu desnorteio,
Com praga em punhos e o dom agoureiro,
Transforma em defeito o que é qualidade.


domingo, 29 de janeiro de 2012

Paz



Quando, à força, descermos dos palanques
Estes “figurões” que mandam no mundo
E um grito surgir do âmago profundo;
Na dor, abrirem-se os olhos estanques.

Quando não houver mais gentis ou ianques,
Plebe raquítica ou nobre rotundo;
Quando a religião for o Amor fecundo
E a vida surgir no musgo dos tanques.

Quando os líderes sentarem-se à mesa,
O ouro das guerras findar a pobreza
E olharmos com ternura os animais.

Quando unirmos o coração e a mente
E o medo for uma lembrança dormente...
Assim teremos, simplesmente... paz.

   

Minha fortaleza



Abre teus olhos meu herói querido;
Vê, não podes cessar teus passos ainda;
Levanta e encara essa jornada infinda;
Sacode este teu corpo combalido.

Talvez o momento haja nascido
De trilhares esta sorte mal-vinda
Que com um amargo veneno te brinda,
Enquanto bebes, à traição, há rido.

Ergue-te de novo por mim herói.
Não fazes idéia de quanto dói
Ver tua luz esmorecer indefesa.

Luta contra esse chão frio, congelante;
Tira essa dor horrenda do semblante;
Seja ainda meu pai, minha fortaleza.

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Mar revolto



Navego num mar revolto
Com a ponta dos meus dedos;
Mesmo frente a tantos medos,
Emaranho os cachos soltos.

Desvendo, assim, teus segredos;
Me vejo em sonhos envolto;
De um profundo transe volto
E miro teus olhos ledos.

Em cinzas íris me afogo;
Em puro êxtase me ponho
Quando nas chamas me jogo

E sofro um queimor medonho;
Em cinzas me põe teu fogo
E definho neste sonho.