segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

O Véu da vergonha


Este suntuoso e brilhante véu
Que tão pouco uso demonstra agora
Perante a distinta moda de outrora,
Já não mais cobre o mundo como o céu.

Enquanto fraca brisa o leva ao léu,
A face oculta nem ao menos cora,
Nem murcha as feições, nem tampouco chora,
E destila assim seu amargo fel.

Não há no mundo tamanha peçonha,
Usa máscara de criatura alada.
Até acha quem auréola lhe ponha.

E permanece assim transfigurada,
Ateia fogo no véu da vergonha,
Vive a vida com a cara mais lavada.

Humano


Meu coração tem asas
que não podem voar.
meu coração é casa
que não se pode habitar.

Meu coração tem batidas
que não posso ouvir.
meu coração tem feridas
que não consigo sentir.

Meu coração é uma flor
que não se deve cheirar.
meu coração tem grande amor
mas não se permite amar.

Meu coração tem veneno
que mata a sede dos desavisados.
meu coração é pequeno
com um universo num canto guardado.

Meu coração é um músculo
frio e duro como aço.
em meu coração um crepúsculo
com dois sois e cores em pedaços

Meu coração é alma nua
em dias de apocalipse.
meu coração e como a lua
à espera de um sol em eclipse.

Meu coração, enfim, é infante,
é velho, é vagabundo,
é um furacão errante
a vagar por todo o mundo.
é muito, é tudo, é nada,
é uma vida repassada num segundo.
é a busca de uma imagem rebuscada,
é a alegria exaltada
de um amor que dói lá no fundo.

Gente fina à moda da casa


Pegue um belo carrão elegante.
Aquele que o seu pai tanto adora.
Saia por ruas e praças afora
Mostrando o poder do seu possante.

Um celular e um visual galante,
Implore um real na casa que mora,
Arranje amigos de última hora
Pra por gás e seguir adiante.

Obrigue o mundo a ouvir o seu som,
Sente-se com ar de rei sem coroa,
Trate mal e ria do pobre garçom,

Gaste o latim com assuntos à toa,
Não esqueça de dizer o quanto és bom.
Agora sim... Tu serás gente boa.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Aríete


Rompe, rompe a tesa serpente em brasa.
Volta, e de volta bate à rubra porta,
Esguicha o seu veneno, de pé e torta,
Quando a porta antes morta agora abrasa.

Inquieta e sensualmente se comporta.
Na impaciência sacode toda a casa;
Debate-se, estrebucha e extravasa;
Com a aguda presa a película corta.

Adentra e é prontamente envolvida
Por um calor de útero materno,
Inalando um salgado odor de vida.

Esconde-se assim d’um frio inverno;
Esgota-se e se sente renascida;
E mergulha em um sono quase eterno.

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Paz & Desespero


Doces sulcos oculares
Adornam faces serenas,
Cintilam íris açucenas,
Brilham ‘strelas seculares.

Mãos macias e tão pequenas;
De formas tão regulares.
Imprimem tantos arfares;
Toques de plumas amenas.

Paz é: teus lábios tocar;
Odor de brisa do mar;
De doces frutas, bombom.

Desespero é: não sentir;
Conversar e não ouvir
Da tua bela boca um som.