terça-feira, 28 de outubro de 2008

Malfazeja boca


Ó! Vil e grosseira criatura.
Por que tanto mal sobre mim deita,
E cada palavra a mim feita
Nasce tão sarcástica e tão dura?

Por que tudo que de mim futura
É vil? (até do sorrir suspeita.)
Por que nem um elogio aceita,
E um bom dia é falsidade pura?

Mas, falso é como se coloca,
Pondo maldizeres em tua boca,
Por medo de se auto-atraiçoar,

Aí, soltas tua língua maldizeja,
Prendes essa boca malfazeja,
Que de tão malfazeja, quer-me beijar.

Só Cego


Ainda que tentasse descrever
Teu alvo brilho e tal majestade,
Como conseguiria assim fazer,
E dizer tudo já dito? É tarde.
Tarde por o maior elogio ser
Minúsculo frente a tua beldade.
Como ter um pouco de sossego?
Com tão sedentos olhos... Só cego!

Pois bem, começo com teu cabelo,
Cuja cor faz-se lunar e solar,
Cujos fios são de seda novelo
Do mais macio que já pude tocar;
E, por bem deste mal te revelo
(Sem nenhum pudor em comunicar)
Que te vejo vir e não sossego.
Não me apaixonar por ti... Só cego!

Um dia passeava distraído,
Senti um adocicado cheiro,
Desses que não vai despercebido,
Desses que, como dardo certeiro
Incita em animais a libido.
Perdido; fiquei sem paradeiro.
Riu-se por ver meu desassossego,
Mas, como não me perder... Só cego!

Quando rememoro teu sorriso
Alvo, tal qual adornos d’opala,
Cândida visão do paraíso
Que me faz a cada dia buscá-la,
Com meu raciocínio impreciso
E boca que balbucia, não fala
Uma palavra que exprima sossego.
Sendo assim: só morto! Não só cego...

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Gado de corte


Na relva impalatável de campos floridos
Reinam vorazes n'um ritmo constante,
Quadrúpedes atrozes, ociosos ruminantes;
De tristes ancas e lombos feridos.

Ornam-se de pele e altivo tamanco,
Acenam com o rabo ao sabor do vento.
Quisera ver cores por um momento.
Tremula, porém, a vida em preto-e-branco.

Mas... de súbito surge seu sedento algoz,
A lâmina fria em seu dorso arde,
Um surdo som sufoca-lhe a voz.

Esmorece dormente sem muito alarde.
Fera que outrora pensava-se feroz,
Pilharam e privaram-lhe a própria carne.

terça-feira, 14 de outubro de 2008

Esquecendo



A vida toda me foi ensinado,
Desde a tenra idade do nascimento,
Tudo que não devemos por de lado
Ou mesmo esquecer em nenhum momento.

Pois aqui estou hoje meu filho amado
A deixar-te último testamento,
Pra que vejas o mundo nunca olhado
Esquece-te a deus por um momento

Pra que olhes mais pra baixo aqui na terra
Esquece-te do teu amor também
Lembra-te do ser que em ti se encerra.

Não gaste tua vida adorando a outrem
Não derrame teu sangue em qualquer guerra
Mas ponha tua alma na vida que tem.

Viagem astral


Agora penso em suspensão astral,
Que me leva onde só meu espírito sabe.
Onde reclamo tudo o que me cabe
Sem nenhum pudor ou vergonha ou mal.

Desafiando todas as possibilidades
Da mera compreensão humana,
Enquanto meu ser teu sono profana,
Invadindo teus sonhos, tuas verdades.

Pairando atônito acima do teu leito
Vejo a respiração inflar-te o peito
Roubando do meu a respiração.

Minha presença parece que pressentes
E despertas assim tão de repente
Com as batidas do meu louco coração.

sábado, 4 de outubro de 2008

Mania de perseguição


Andando pela calçada eu ia,
Distraído e com muita pressa,
Com a mente totalmente dispersa,
Suando ao sol lá pelo fim do dia.

Quando percebi que alguém me seguia,
Me imitou e disfarçou depressa,
Como a pregar-me uma peça,
E outras vezes se repetiria.

Uma imagem negra ia chegando,
E me imitava insistentemente,
E não se afastava ao meu comando.

A raiva subiu à minha mente.
Ao perceber o tempo fechando,
Esvaiu-se bem na minha frente.




Idas e Vindas



Ó! Por que voltastes senhorita?
Há anos vivo sem o teu cheiro,
Que me banha a alma por inteiro,
E que a um defunto ressuscita.

Por que estais assim tão aflita?
Revives o momento derradeiro
E evitas o meu olhar ligeiro
E também o meu cheiro evita.

Volto eu a cantar-te meus versos,
Volto a arranhar velha ferida,
Sacudo um distante mundo inerte,

Revivo sentimentos diversos.
Se sonhos não repetem na vida,
Por que, então, volto a querer-te?

Aprisionado


Podia viver sussurrando,
podando os frutos da própria voz,
catando expressões de silêncio,
chiados ríspidos semeados por nós.

Poderia andar como o vento
e cair qual neblina espessa,
e, como a foice assolavanca rasante,
me abaixo ou perco a cabeça.

Porém não posso me conter...
e Grito, ah, eu Grito com todo o meu pulmão.
e se te irrito repito
o mesmo grito que te fez estremecer.

e me diga que incomodo
que te digo: e Daí?
te dou dez segundos de silêncio, e...
de novo Grito p'ra te aturdir.

Até que um belo dia
soltes um esbaforido palavrão,
então eu Grito na tua cara
te deixo sem fala e te jogo no chão.

Mas aí te levanta
e Grita... e Cospe na minha boca aberta,
vê meu olho arregalado...
Grita!... e com um grito...
se liberta.

Vampirizado



Contemplo-te móvel, às vezes estática,
Que fazer? Se moves, me desassossega;
Se parada, teu rubro brilho me cega;
Se me beijas me gelas tal brisa ártica.

O teu contorno: pura visão fantástica,
Escultura d’uma altiva Deusa grega.
Faleço se por um instante me nega
O doce da tua essência aromática.

E mudo, sou totalmente compelido,
Do alto da libido, a me entregar.
E surdo, cego... e sem nenhum sentido,

Eu, vampiro ensandecido a te sugar.
Carnudos, teus lábios parecem ter sido

Em sangue embebidos... P’ra me enfeitiçar.